O FANTASMA DO DECAPITADO

"As Surpresas do Além estão sempre a espreita para pegar desprevinido os mais incautos !"

O caso que vou relatar se passou comigo mesmo, por volta do ano de 1927, quando residia com minha família no lugar denominado Porto do Velho, município de São Gonçalo, Rio de Janeiro.

Meu pai, Manoel Fogaça, possuía ali uma indústria na qual juntos trabalhávamos.
Certa vez, numa quinta-feira, fui dar um passeio até a ponte das barcas, Niterói e, ali chegando, resolvi ir a uma sessão no cinema Royal, hoje demolido.

Assisti calmamente, na segunda sessão, a passagem do filme cujo nome não me recordo mas que tinha como artista principal Harry Carrey.

Ao sair, chegando à praça Martim Afonso, verifiquei que o bonde das 23:10h, da linha Alcântara, já havia seguido seu destino. Tendo perdido essa condução, aliás a última que passava no Porto do Velho naquela hora, não tive remédio senão seguir no bonde de Neves.

Ao saltar no fim dessa linha, já passava da meia-noite e meia, vi um botequim aberto.
Entrei, tomei um café e fiquei pensando na longa caminhada que teria de empreender até Porto do Velho.

Me recordava também de certas coisas anormais contadas por pessoas de minha zona referentes à rua que eu teria de percorrer e, principalmente, a uma certa ponte de tábua, muito velha, que se denominava ponte das Brandoas, onde, segundo diziam, qualquer pessoa que ali passasse a alta hora da noite ouvia gemido, via assombração e coisas mais.

A rua a que me refiro se chama Alberto Torres. É muito longa e, de certo trecho a diante, deserta e perigosa.

Quando o relógio do botequim assinalava uma hora da madrugada o dono se aproximou e me disse com seu sotaque lusitano:

— Como é?, rapaz. Vou fechar o boteco.

Confesso que estava temeroso de enfrentar algum perigo e, ao sair, caminhei até o portão da oficina Hime na esperança de que aparecesse alguém que me servisse de companhia até Porto do Velho.

Finalmente, depois de aguardar meia hora, saiu da oficina um rapaz que deixara o serviço naquela hora.
Passou por mim e seguiu seu caminho.

Não tive dúvida em o seguir e tomar a mesma direção até o alcançar. O cumprimentei e fomos conversando até a avenida Paiva (justamente a metade do caminho) quando esse companheiro parou pra se despedir.
Declarando morar ali no fim da avenida, me perguntou:

— Onde moras?

Tendo eu lhe dito onde residia me declarou:

— Tens muita coragem em atravessar a ponte das Brandoas nesta hora! Eu, por coisa alguma, passaria ali agora.

Depois de sua saída fiquei pensando se devia prosseguir viagem, quando, num rasgo de coragem, considerei que um homem é um homem e me pus a caminho.
Ao passar na malsinada ponte um arrepio me percorreu todo o corpo e foi nessa situação que a atravessei sem, entretanto, ter visto ou ouvido algo extraordinário.

Supunha, então, haver vencido o maior obstáculo. Entretanto, mais adiante, depois do cruzamento da linha Leopoldina com a Cantareira, próximo a um pequeno pontilhão sobre o qual passam os trilhos daquela companhia de trens, avistei uma claridade.

Me aproximei. Verifiquei se tratar de quatro velas acesas nos cantos dum lençol branco estendido no chão.
Ao lado, de pé, olhando atentamente o lençol, estava um homem alto vestindo um longo capote preto que ia até os pés e trazendo na cabeça um grande chapéu da mesma cor.

Ao ver aquele quadro o que mais me impressionou foi observar que o homem mais parecia uma múmia, imóvel como estátua.

Com dificuldade consegui passar no local. Porém, adiante, já em Porto do Velho, próximo a minha residência, bem no meio do cruzamento das linhas de trem, se repetiu a mesma cena: vi as velas, o lençol e o homem de capote e chapéu preto!

Ao enfrentar aquele quadro em tudo semelhante ao anterior, ainda mais horrorizado fiquei, mas não havia outro caminho.

Fui seguindo na extremidade oposta e, ao passar pelo vulto, tentei ver a fisionomia do homem.
Não consegui ver o rosto do estranho personagem porque o grande chapéu encobria a metade da cabeça.

Logo que consegui me distanciar daquele macabro local ouvi uma voz me chamar e caí na tolice de olhar atrás.
Bem próximo a mim estava o tal homem. Com o chapéu numa mão e uma vela na outra, mas... sem cabeça!

Ao ver tão horripilante figura corri desabaladamente em direção a minha casa ouvindo em minha retaguarda repetidas gargalhadas e longos assobios.

Cheguei a casa metendo os pés na porta da sala de jantar que minha mãe sempre deixava escorada com uma cadeira pra que eu, ao chegar, não perturbasse o sono dos demais.

Fazendo uma barulhada infernal caí desacordado sobre o assoalho. Meus pais e irmãos, despertados pelo barulho, acudiram a ver o que acontecera comigo e me socorreram. Só após recuperar o sentido, ainda cheio de pavor, pude contar o sucedido.

Na manhã seguinte, ainda com os nervos abalados, fui por curiosidade verificar os lugares onde havia passado na véspera, pra ver se existia algum indício anormal.

Nenhum vestígio de cera de vela. Nada que relembrasse o que vira com meus próprios olhos!

Todavia, no pontilhão, já rodeado por muitas pessoas, jazia o cadáver dum homem que o trem da Leopoldina apanhara naquela noite. O corpo estava coberto com um lençol branco colocado por pessoas caridosas logo após o desastre.

Minha curiosidade fez com que me aproximasse e levantasse o lençol. Assombrado verifiquei que ali estava um corpo com a cabeça esmigalhada. Se tratava de um homem alto, trajando roupa e capote pretos, tendo ao lado um grande chapéu também preto.

Seria o fantasma desse homem que me perseguiu na noite anterior? Se foi, porque?

 

Floriano Fogaça - Distrito Federal - Brasil